sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O MUNICÍPIO É ONDE AS COISAS ACONTECEM

Regina Miki: O município é onde as coisas acontecem
1
Regina Miki
Por Shelley de Botton

Alçada da Secretaria de Defesa Social de Diadema, em São Paulo, à coordenação executiva da Conferência Nacional de Segurança Pública, Regina Miki comemora a adesão da população ao processo que vai definir uma política de Estado para a segurança pública. “A participação democrática na segurança pública até hoje não foi posta em prática e estamos buscando nesta participação democrática a elaboração de uma política de Estado para a segurança pública”, revela.

Durante sua administração, Diadema, que esteve entre os municípios mais violentos de São Paulo, conseguiu reduzir em 80% índice de homicídios com ações baseadas em pesquisas sobre as características da criminalidade local e que incluíram desde o fechamento de bares após as 23 horas, até a melhoria da iluminação urbana. Para Regina, as prefeituras têm que ser incluídas na elaboração e na implementação das políticas públicas de segurança.

“O município é onde as coisas acontecem. A política de segurança é pensada hoje na área do estado e é executada dentro do município. É fundamental que as ações de ordenamento de uso e ocupação do solo estejam feitas dentro de um mesmo plano que o direcionamento das polícias”, avalia.

Regina Miki conversou com o Comunidade Segura durante o seminário temático sobre controle de armas que aconteceu em Brasília nos dias 8 e 9 de junho. “Eu não sou contra a arma de fogo, eu sou a favor de um sistema de proteção do cidadão que englobe os freios às pessoas que portem uma arma de fogo”, conclui.

Qual é o significado da Conseg para a segurança no Brasil?

A participação democrática na segurança pública até hoje não foi posta em prática. Para nós, como coordenadores, a conferência significa buscar na participação democrática a elaboração de uma política de Estado para a segurança pública e fazer com que a população entenda que segurança é um direito fundamental atribuído pela Constituição federal, mas isso implica em alguns deveres e que estamos nos furtando em determinado momento.

E qual será o papel da sociedade civil nessa conferência?

O papel da sociedade civil é de buscar a idealização dessa política de Estado. Ou seja: o que queremos para fortalecer nossas polícias, o que queremos para nos fortalecer enquanto conselhos, uma participação mais ampla da sociedade garantida a partir de agora de uma forma definitiva e periódica através mesmo de outras conferências por consultas populares e que essa sociedade saia do direito de reclamar e passe a outro patamar, o de buscar melhorar as políticas através da participação democrática.

E a sociedade sabe o que ela quer em termos de segurança pública?

Sabe sim, mas confunde às vezes. Porque a mesma sociedade que diz que não quer uma polícia violenta, ela por vezes legitima essa ação quando a violência ocorre com ela ou um parente seu ou alguém próximo. Nesses casos, ela quer que bata, prenda, mate. Se fizermos uma consulta popular, às vezes temos a pena de morte como uma solução para a criminalidade.

Mas, se tivermos um diálogo franco e aberto e conseguirmos passar para essa sociedade os seus direitos, os dados reais da criminalidade, da violência, essa mesma sociedade tem condição de dizer o que ela quer da polícia, o que ela pensa como paz sem esquecer que a dignidade humana passa também por nós termos segurança de andar na rua, do direito de ir e vir que hoje está sendo tolhido pela criminalidade.

E como é possível chegar a uma proposta objetiva sobre segurança pública com essa diversidade que temos no país e que estará representada na Conseg?

Na realidade, o texto-base da conferência orienta para uma discussão maior do que as peculiaridades locais. É inevitável que uma pessoa num grupo de trabalho que esteja trabalhando qualquer eixo da conferência – que tem sete eixos - que ela não traga uma posição do seu local, só que nós estamos chamando a população para discutir a política maior.

Para construir uma espinha dorsal que servirá como política de Estado, para então, se desenvolver as políticas dos estados e dos municípios. E, partindo daí, planos de segurança e ações tendo sempre em mente aquela política maior traçada. Como é o SUS para as políticas de saúde, políticas de educação, de meio ambiente. Não que nós não venhamos a ter planos locais e políticas a serem seguidas nos locais, mas sempre tendo em mente uma política maior.

Mas para isso, os municípios e estados deverão ter autonomia e verba para implementar as suas políticas de segurança. Como isso será encaminhado?

Quando falamos em política de Estado, estamos falando na divisão dos três entes federativos com a sua competência e a sua participação e também falamos de um orçamento que ainda não sei se vai ser vinculado ou como transferência fundo-a-fundo.

Essa é uma das tarefas da sociedade, dos gestores e dos avaliadores durante a conferência, para que tenhamos o melhor modelo para ter esse orçamento reservado para a segurança e, com isso, a garantia da continuidade das políticas a serem desempenhadas.

Qual é o papel do município nesse novo modelo de segurança pública?

O município é onde as coisas acontecem. A política de segurança é pensada hoje na competência do estado e é executada dentro do município e, por vezes, as autoridades municipais não são nem chamadas a participar da elaboração e da implementação dessas políticas.

É fundamental que as ações de ordenamento de uso e ocupação do solo estejam feitas dentro de um mesmo plano que o direcionamento das polícias. É fundamental termos a iluminação, por exemplo, para que o trabalho da polícia seja facilitado, o asfalto nas ruas, a ocupação dos espaços públicos, tudo isso é segurança.

E o município hoje não é chamado a participar constitucionalmente dessa elaboração. Institucionalmente nós não temos ainda, para além dos gabinetes de gestão integrada que o Pronasci criou dentro dos municípios, outra ‘institucionalidade’ em que o município entre pela porta da frente na política de segurança pública. E a conferência busca isso.

Nesse caso, qual seria o papel das guardas municipais?

A Guarda Municipal é criada com base no parágrafo 8º do art. 144 da Constituição Federal que diz que os municípios poderiam criar guardas municipais para defesa de seu patrimônio e prestação de serviços à sua população. Só que não temos ainda uma lei federal que delimite esses serviços que a guarda poderia prestar.

Então nós temos guardas altamente militarizadas no Brasil, temos guardas que são subutilizadas, que não têm outra função senão estarem uniformizadas e isso prejudica um sistema de segurança pública, porque essa guarda poderia estar no bojo desse sistema com uma parcela de atuação muito importante que é na prevenção do crime, trabalhando nas incivilidades, nos pequenos delitos e deixando o policiamento para as polícias.

A Guarda Municipal não deve, então, ter poder de polícia?

Erronemanete se diz que as guardas não têm poder de polícia. A guarda tem o poder de polícia administrativa dentro do município. E que o que se busca na realidade é o poder de policiamento. Esse tem que ser amadurecido um pouco mais dentro de um sistema. O que fica para essa guarda? E essa guarda não pode ser criada por municípios que não tenham condição de capacitá-la e fazer a sua manutenção.

Como assim?

Nós temos municípios no Brasil que criaram guardas ainda sob a égide de um outro regimento do Fundo Nacional de Segurança Pública que previa o repasse de verba somente aos municípios que tinham Guarda Municipal. Assim, foram criadas guardas sem qualquer estrutura e é isso que não podemos mais conceber num sistema de segurança pública como o Susp que prevê que o município tem o seu papel. Tendo a guarda, ela tem o seu papel, mas ela tem que ser capacitada e ordenada.

A senhora é a favor das guardas municipais armadas?

Eu não sou a favor nem sou contra já que o próprio Estatuto do Desarmamento prevê uma guarda armada. Mas eu tenho receio do que possa advir disso se a guarda não tiver uma estrutura de freios compatível. Então, tem que haver capacitação para o guarda utilizar essa arma, tem que haver uma jornada de trabalho compatível com quem anda armado, tem que haver corregedorias e ouvidorias independentes, para que o mal policial ou mal guarda municipal sejam separados dos demais da corporação. Eu não sou contra a arma de fogo, eu sou a favor de um sistema de proteção do cidadão que englobe os freios a esta pessoa que porte uma arma de fogo.

Que mensagem a senhora daria para a sociedade civil e para os trabalhadores do sistema de segurança pública no âmbito da Conseg?

Eu gostaria de agradecer àqueles que já participaram de alguma forma e dizer que ainda temos tempo para aqueles que estão tendo notícia pela primeira vez da conferência que venham para o processo.

Até o dia 31 de julho estaremos com as etapas estaduais e também com a possibilidade de conferências livres para a elaboração de princípios e diretrizes que serão encaminhados diretamente para a etapa nacional. No site da conferência temos toda a explicação de como participar desse grande movimento que é a Conferência Nacional de Segurança Pública.

COMPETÊNCIA MUNICIPAL NA SEGURANÇA URBANA

A Competência Municipal na Segurança Urbana
11
Cléston Andrade Cavalcante · Recife (PE) · 9/1/2010 01:27 · 54 votos

A segurança pública foi por muitos anos dever da União e dos Estados federados, porém direito e responsabilidade de todos como assegura o caput do art. 144 da Constituição Federal de 1988, e, sendo responsabilidade de todos, é também dos municípios.

Embora os municípios se limitem no âmbito da segurança pública apenas à vigília de seu patrimônio, nada os impede que os serviços se estendam a outros setores em que fazem necessários a proteção dos munícipes contra a escalada vertiginosa da violência e criminalidade.

Importante se faz saber que as forças policiais estaduais não são suficientes para o controle e combate da violência, haja vista, que não se faz segurança pública apenas com ações policiais, e sim, com políticas preventivas, diagnosticando as regiões mais propensas aos autos índices de violência e criminalidade.

Embora a guarda municipal tenha sua competência limitada constitucionalmente, nada os impede de desenvolverem um trabalho de policiamento focado na prevenção. É o que afirma em artigo o Coordenador de Análise Criminal da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Agente de Polícia Federal, Bacharel em Direito, Especialista em Gestão da Segurança Pública e Defesa Social, MAGALHÃES: a presença efetiva do poder municipal é indispensável para ajudar a conter a escalada da criminalidade urbana. (2008, p. 3).

Paradoxalmente, à violência e criminalidade em que vive a cidade Paulo Afonso é de proporções assustadoras, a saber, que entre janeiro/maio de 2008 e janeiro/maio de 2009, por exemplo, o número de furto de veículo passou de 14 para 24, ou seja, um crescimento de 71,4% . Esta situação é ainda mais díspare quando se compara com o número de estupros. Assim, comparando janeiro/maio de 2008 com janeiro/maio de 2009, houve um aumento de 266,7% no número de estupros (fonte: CEDEP/BA).

A magnitude da incidência dos diversos tipos de crime, logicamente, é diversificada. Tomando como exemplo, a violência que assola as escolas da rede municipal de ensino. O senso de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em parceria com o Ministério da Educação publicou que a cidade de Paulo Afonso possui 18.078 alunos matriculados no ensino fundamental, sendo 12.229 alunos matriculados na rede municipal de ensino.

Outro dado importante a ser levando em consideração são os índices de homicídios registrados na cidade de Paulo Afonso no período de janeiro/maio de 2008 a janeiro/maio de 2009. No período em que compreende 2008, foram registrados 26 homicídios, enquanto que nos cinco primeiros meses de 2009, ocorreram 38 homicídios, um aumento significativo de 46,2% em relação ao mesmo período de 2008 (fonte: CEDEP/BA).

Portanto, é imprescindível o papel da Guarda Municipal na segurança pública local, pois esta visa implementar esforços de atendimento as Políticas de Segurança Pública propagada pelo Governo Federal, divulgadas através do Projeto de Segurança Pública para o Brasil atuando de forma preventiva exercendo um papel de cunho pedagógico na Segurança Pública local.

Apostar e acreditar no fortalecimento da guarda municipal é fundamental para o sucesso da segurança pública local. Presentes no dia-a-dia da comunidade terão a missão de difundir o conceito de segurança cidadã instituindo o mapeamento dos bairros com maior índice de violência, bem como instrumentalizará a gestão municipal a subsidiar o Sistema de Justiça e Segurança nas ações contra a criminalidade, por meio de cruzamentos de dados com as policias civil e militar, o que, permitirá a formulação, implantação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, focando a prevenção e a violência.

Cléston Andrade Cavalcante. Bacharel em Direito. Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Professor de Direito do IFBA. Professor de Direito da Efotej.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

As Guardas Municipais e a Segurança Pública

Por Dr. Bismael B. Moraes


Resumo: Com o Dec.-lei 1.072/69, da época ditatorial, as Guardas Civis dos Estados, já existentes em 16 unidades federativas do Brasil, desapareceram; e, pela Constituição de 1988, no art. 144, § 8°, foram criadas as Guardas Municipais, as quais, por mero preconceito corporativo e pelo desconhecimento de políticos e administradores, ainda não têm sido corretamente empregadas na prevenção criminal e na segurança do povo.




Introdução


Em todo e qualquer trabalho sério sobre segurança pública, devemos nos perguntar o que, de fato, pretendemos tratar da segurança como um grande bem da coletividade ou estamos pensando em agradar governantes, chefes ou comandantes?
Queremos a ética do interesse social ou a retórica do interesse partidário, grupal ou corporativo? Visamos ao bem geral ou as nossas conveniências egoísticas?
A incansável busca do ser humano, em todas as épocas, sempre foi e tem sido no sentido de alcançar a justiça, que é o mais elevado bem social. E nessa aspiração, de alto significado moral, requereu e ainda requer uma profunda análise dos fatos, dos costumes e das condutas em ebulição na sociedade, para a codificação apropriada de normas que sirvam como padrões de equilíbrio aos indivíduos. Mas por que tanta discussão e tão pouca objetividade nesse campo?
Já tivemos a oportunidade de escrever, em 1995 (RT 715/411), sobre um fato silenciado pelos juristas e administradores; de que não há impedimento constitucional para as Guardas Municipais realizarem o policiamento preventivo dos bens, serviços e instalações dos respectivos Municípios. Mostrávamos que, "Depois de Jânio Quadros, então prefeito e São Paulo, em 1986, haver criado uma Guarda Civil Metropolitana, corajosamente tateando sobre decretos-leis federais de então, para ter uma polícia que cuidasse dos próprios municipais, a idéia (combatida pelas PMs) se espalhou. E, quando veio a Constituinte, reservaram no texto da Constituição, junto ao título "Da Segurança Pública", 0 § 8°, do art. 144, com a seguinte redação: "Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei [grifos nossos]. Observe-se que o texto do § 8° exige uma lei (que poder ser de complemento federal) para estabelecer as atividades das Guardas Municipais. Mas ainda não foi editada referida lei. E se faz mister que os Municípios, através de suas Câmaras de Vereadores e dos respectivos Prefeitos, fiquem atentos, para não aceitarem projetos prontos, de cima para baixo, sem a discussão e o aval das autoridades municipais, fazendo das Guardas Municipais uma espécie de longa manus de órgãos federais ou estaduais, em prejuízo da coletividade local.
Também, para evitar que os Municípios paguem as despesas e, no caso do emprego das GMs, os prefeitos fiquem subordinados a ordens externas, perdendo parcela da autonomia municipal em matéria administrativa de interesse dos munícipes, ficando letra morta a figura do Estado Democrático de Direito, de que fala o art. 1° da Constituição!".



O que são bens, serviços e instalações?



No que tange às palavras "bens, serviços e instalações", que as Guardas Municipais, por força da Constituição Federal (art. 144, § 8°), devem proteger, qualquer profissional do direito, que se pretenda ético, deveria buscar-lhes o significado jurídico dentro do Código Civil brasileiro ( arts. 65 e 66 do CC/16 e arts. 98 a 103 do CC/2002), instituído por lei federal, em que encontraria a divisão dos bens públicos, no art. 99 do CC/2002, assim:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Logo se vê que, caso haja honesto interesse numa exegese que mais convenha à comunidade local ( mesmo porque ninguém mora fora do Município), as ruas, praças, estradas, terrenos, edifícios e estabelecimentos municipais, e tudo o mais que aí houver, podem e devem ser objeto de proteção pelas Guardas Municipais. Assim, atuando com base na lei, em nome do poder público e a serviço da coletividade, no interesse dos munícipes, as GMs acham-se ao abrigo da Constituição. Quem assim não entenda, por certo, não fez uma boa escola de direito, nem leu os bons mestres, ou tem interesse corporativo ou é, simplesmente, um inocente útil.
Entretanto, é oportuno esclarecer sobre a árdua tarefa que tiveram e têm os Municípios no que se refere à segurança pública.
Tão logo as prefeituras deram início à criação de suas Guardas Municipais, a pressão contrária maior foi das Polícias Militares dos Estados. E, como essas corporações trabalham muito ligadas aos governadores, estes, embora com aparência externa de democratas, fecharam os olhos às pressões descabidas. Alguns desses governantes, por ignorância, por algum motivo não confessado ou por desconhecimento do que seja polícia a serviço do povo, engrossaram o coro das PMs, de que "as Guardas Municipais não têm poder de polícia!".



Uma proposta indecente contra as GMs.


Aliás, é bom que se diga: em 1993, o Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, reunido em Belém do Pará, no mês de agosto, e com a assinatura dos 27 Comandantes-Gerais das PMs dos Estados, apresentaram ao Congresso uma "Proposta Consensual para Revisão Constitucional 93", pretendendo impor aos congressistas, para os fins de segurança pública, conceitos de "Constituição", "polícia militar", "poder de polícia", "segurança pública", procurando dizer que toda proposta era feita "consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas!".
A referida proposta, sem nenhum interesse em definir o que sejam polícia preventiva ou policiamento preventivo, imprescindível para a segurança do povo, afirma que " a polícia ostensiva possui investidura militar"! E parece até uma tentativa de "doutrinar" os deputados federais e os senadores, com a certeza de que os parlamentares não ousariam discutir um documento assinado por todos os 27 Comandantes-Gerais da PM! "Esqueceram" de que segurança pública é a segurança prestada pelos órgãos estatais (da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal, por força do art. 1° da CF/88), e difere da segurança privada, que é prestada por particulares, com vínculo empregatício a uma empresa (sem esse vínculo, esses particulares seriam jagunços).
E é razoável lembrar que, para a tranqüilidade pública, não basta que o policiamento seja "ostensivo" (à mostra, pela farda), mas deve ser preventivo (no sentido de dar segurança e evitar os crimes). O correto é o policiamento preventivo-ostensivo, ou seja: que evite os crimes e esteja à vista da população, constantemente. As palavras preventivo e ostensivo têm significado diverso, e qualquer pessoa de conhecimento mediano sabe disso: a segunda pode existir sem a primeira; e, em matéria de segurança, ambas devem se juntar.
Essa absurda proposta, sem procurar no Código Civil brasileiro o que sejam "bens públicos" (Da União, dos Estados e dos Municípios), diz que "a finalidade das guardas municiapis é mais compatível com caráter de "vigilância patrimonial" e não de serviço policial", e, para evitar interpretações tendentes "à municipalização dos serviços policiais, incompatível com o espírito da Carta Magna", no art. 144 da CF/88, propõem as GMs no Capítulo "Dos Municípios". Com isso, os senhores Comandantes-Gerais das PMs, temendo o crescimento das Polícias Municipais, que são as GMs, dirigindo-se a parlamentares, que nem sempre entendem de segurança (pois as próprias universidades, preconceituosamente, não ensinam "coisas de polícia") e pensam que coronéis da PM sabem tudo, pretendiam fazer do Guarda Municipal (servidor público do Município, aprovado em concurso) mero vigilante particular.




As GMs representam a polícia local


Uma observação; a origem das atuais Guardas Municipais, depois que as Guardas Civis foram dizimadas pela ditadura brasileira, foi a criação de uma polícia local, mais próxima do munícipe, realizando o trabalho de segurança preventiva; portanto, as GMs não devem copiar as PMs que não realizaram o policiamento preventivo, pois não se pode aprender com órgãos que não fazem corretamente a prevenção, embora cumpra a parte "ostensiva" que lhes atribui a Constituição. E a prova de que não se estuda o que sejam segurança para o povo nem o verdadeiro papel da polícia, via de regra, é o fato de os senhores prefeitos municipais, em vez de investirem numa GM de carreira e dela nomearem seus coordenadores, ou superintendentes, ou mesmo "comandantes", vindo de seus quadros, continuarem nomeando para essas funções oficiais das PMs, cujos Comandos-Gerais sempre quiseram e continuam querendo acabar com a idéia de as Guardas Municipais realizarem o policiamento, como ficou patente na proposta dos 27 Comandantes-Gerais!



Ignorância sobre o poder de polícia



Voltando ao assunto poder de polícia, sempre que o Poder Público, nos âmbitos federal, estadual ou municipal, fiscaliza algum setor de atividade social, sem dúvida, está no exercício do poder de polícia. Há um acepção genérica, que envolve a fiscalização, levada a efeito pela Administração Pública em todos os campos de atividade, para que seja mantido o equilíbrio da sociedade, e numa acepção restrita, para situações particulares ou específicas. Assim, quando se fala de polícia das construções, polícia dos direitos autorais, polícia das comunicações, polícia sanitária, polícia das profissões, polícia alfandegária, polícia de segurança pública etc, tudo isso, em síntese, refere-se à atuação do poder de polícia. No sentido estrito, para a análise a que nos propomos agora, busca-se o poder de polícia exercido pelo órgão policial.
A polícia, como todos sabem, é órgão público de prestação de serviço, tanto pode ser federal, estadual ou municipal. O que não pode haver é polícia particular. Ensina o grande jurista brasileiro Pontes de Miranda: "policiar é ato estatal, é ato de autoridade pública". E estatal é gênero para tudo o que é público - da União, do Estado ou do Município. Isso é rudimentar a quem estuda o Direito. Mesmo assim, ainda há quem faça confusão sobre a expressão poder de polícia; ouvem-se até pessoas estudadas, como jornalistas e mesmo autoridades que cometem essas falhas".

Por exemplo, no artigo O caráter subversivo do atual terrotismo (sobre as rebeliões nos presídios de São Paulo, e até de outros Estados, sobre o comando do PCC), de autoria do senador Romeu Tuam (que é delegado de polícia de Classe Especial, aposentado, e foi diretor do DOPS, em São Paulo, e superintendente da Polícia Federal, no Governo Collor), publicado no jornal Folha de S. Paulo (18.05.2006, p. A-3), de sua emenda constitucional "para outorga do poder de polícia às Guardas Municipais em convênio com os governos estaduais"! Também, em notícia sobre segurança, publicada no caderno Cotidiano do jornal Folha de S. Paulo (1°.06.2006, p. C-4). "O prefeito Gilberto Kassab disse ontem que pedirá a aprovação na Cãmara dos Deputados do projeto que dá poder de polícia à guarda civil metropolitana". E, noutras oportunidades, essas falhas jurídicas têm sido freqüentes.
Mas, em verdade, não pode haver confusão, a não ser que por mero desconhecimento jurídico ou por outro motivo não confessado: poder de polícia é, em síntese, uma faculdade da Administração Pública (federal, estadual ou municipal) para manter o equilíbrio social, visando ao bem coletivo e a manutenção do próprio Estado. E todos sabmeos que não existe, em parte alguma, um poder da polícia; há, sim, o poder de polícia, também exercido pela organização policial - da União, dos Estados e dos Municípios - em matéria que lhe seja própria, e nos termos permitidos ou não proibidos em lei. Por exemplo, esse poder é exercido pela polícia judiciária (para apurar os crimes não evitados, investigando e apurando os fatos, em auxílio à justiça criminal). Logo, poder de polícia não é um "poder da polícia civil" ou um "poder da polícia militar". É poder estatal ou público (da União, dos Estados ou dos Municípios-repetimos),também exercido pela polícia, em sua área de atribuições.
Portanto, se as Guardas Municipais forem treinadas e comandadas por militares estaduais, dois fatos graves podem acontecer:
1.° seus integrantes serão, na verdade, preparados como policiais militares (porque não se ensina o que não sabe), embora tenham o nome de guardas municipais: 2.°- o que é mais perigoso - os prefeitos, para efeito de segurança local, terão sua competência invadida por órgão do Estado (a PM), perdendo parcela da autonomia de chefes de Executivos e ficando, nesse campo, e de algum modo, sob as ordens de oficiais e até de sargentos das corporações militares estaduais!



Os Municípios, o CTB e as GMs



Acrescente-se, ainda, que o Código de Trânsito Brasileiro, que veio a lume depois da Constituição Federal de 1988, pela Lei 9.503, de 23.09.1997, estabeleceu competência dos Municípios, no art. 24, VI, "no âmbito de sua circunscrição": "executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, parada e estacionamento previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito". Portanto, os chefes de Executivos Municipais podem, legal e perfeitamente, empregar os integrantes de suas Guardas Municipais (que devem ser convenientemente preparados para o trato com as pessoas) no policiamento de trânsito, sem a necessidade de contratar pessoas sem preparo ou empresas terceirizadas para isso.





Bismael B. Moraes

Mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo - USP.
Foi, por 24 anos, professor de Polícia Judiciária e Inquérito Policial na Academia de Polícia de São Paulo, na Cidade Universitária; por 21 anos na Faculdade de Direito de Guarulhos - FIG-UNIMESP. Professor e Teorias de Policiamento e Cultura Policial, no Curso de Pós-Graduação sobre Políticas de Gestão em Segurança Pública, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP ( Santana). Tem mais de 400 artigos publicados, em revistas científicas e jornais. Foi presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. Advogado.